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E não é que o preço do tomate chegou até no Financial Times

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por Adauto Ribeiro

 

 

Parece piada, mas é coisa séria, como é que o aumento de preço de um produto agrícola, um simples tomate, pode causar tanto alvoroço? E, de acordo com alguns colunistas, mais alterados, chegar até o ponto de afetar a popularidade do chefe de governo de plantão. A notícia chegou aos jornais internacionais. Vamos tentar discutir isso com um pouco de isenção e muita tranquilidade, ou vice versa.

Primeiro, que o tomate é um produto agrícola, uma simples olerícola, portanto, sua produção não é sujeita a regularidade, a constância e ao planejamento produtivo de um bem industrial. Nem poderia ser, basta ver as condições em que a produção ocorre, ao ar livre, sob sol e ou sob chuva, as vezes muita, as vezes pouca. Com muito inseto ou pouco inseto presente, com mais doenças ou menos doenças. Crescendo, florescendo e produzindo, independente de final de semana ou feriado. Fica claro que não há planejamento 100% seguro nesta atividade. Assim, mudando-se as condições ambientais muda-se a expectativa de produção e, com menos produto á vista, maiores serão os preços, ou, ao contrário, com muita produção, menores os preços. Aliás, cabe destacar que não se observa esta grita geral nos momentos de queda de preço e olha que elas ocorrem o tempo todo nesta atividade.

Segundo, é bom relembrar que o passado afeta o preço deste tipo de produto no presente, e este vai afetar o preço do bem no futuro ou, melhor dizendo, se no ano passado os preços foram baixos, isso desestimulou novos plantios ou um melhor cuidado com o plantio, afinal, o preço baixo no passado descapitalizou o produtor. Se isso ocorreu, é normal que a área plantada tenha sido menor e, é bem possível, que tenha sido produzido com menos cuidados, diga-se, gastos. Então, com os preços maiores agora, e uma melhor capitalização presente, podemos esperar, sem dúvida, que a produção seguinte será maior e mais bem cuidada. Isso é da lógica de funcionamento deste mercado. Sem alarmismos.

Terceiro, afinal, o que o tomate tem a ver com inflação? Bem, ele faz parte da lista de produtos que entram no calculo do índice de preços ao consumidor, ou seja, ele é um dos bens que os consumidores adquirem para saciar suas necessidades. Tem peso pequeno é verdade, mas, ao subir de maneira acentuada, por exemplo, dobrando de preço em um curto espaço de tempo, isso aparece no calculo da inflação. No entanto, a discussão poderia ser muito mais amena, se este fato fosse devidamente explicado para a sociedade. Afinal, ao aumento de preço do tomate, deveria ocorrer por parte da população, uma diminuição rápida e temporária da compra deste bem, e não seria uma catástrofe fazer uma salada com outros produtos. Isso seria benéfico inclusive como educação para novos aumentos, pois hoje é o tomate, ontem foi a carne bovina, no futuro será outra leguminosa qualquer, um cereal talvez.

A questão que deveríamos enfrentar é porque este índice acaba sendo usado para aumentar os demais preços da economia, se o preço que efetivamente mais subiu foi de um bem como pouca capacidade de afetar outros preços na economia? Se o produto que subiu de preço fosse o petróleo, a energia elétrica, o gás, o transporte coletivo, a água, o aço, dentre outros, entenderíamos a gritaria geral e a inevitável disseminação para os outros preços da economia. Afinal, estes são bens insumos, custos para outros setores, que fariam um grande esforço para repassar o aumento de preço observado para os preços dos seus produtos e serviços e com isso a inflação seria realmente preocupante.

No caso do tomate qual é o impacto nos demais setores da economia? Mínimo, talvez para pizzarias, acho até que dá para contornar, coloquem menos tomates na pizza, sejam mais criativos com outros insumos; para a indústria de massa de tomate, e outras que não me lembro agora. De qualquer forma o impacto é muito localizado. Não tem porque o tema ter gerado tanto gasto de papel e tantas analises econômicas complexas. O que nos leva a considerar que tanto barulho tem outra finalidade, que poderia ser, por exemplo, permitir que outros setores da economia aumentem preços sem precisar de muita justificativa, ou que os consumidores aceitem estes reajustes de preços baseados na alta de um produto que diretamente não o afeta.

Na economia muitos setores têm poder para aumentar os preços de seus bens e serviços, só precisam de motivos plausíveis para isso, e se o tomate der este motivo, ótimo, usemos o caso do tomate.

A inflação no Brasil esta no patamar atual em função de preços administrados, em função de preços que se reajustam por contrato e não pelo preço do tomate, do arroz ou do feijão. Daqui um mês os preços do tomate recuarão, porem os preços que subiram na indústria por conta do tomate não recuarão. Entender a discussão política por trás de um simples preço não é simples, porem que ela há, há.

 

 

 

Adauto R. Ribeiro

Engenheiro e Economista

Mestre em Teoria Econômica (UNICAMP)

Diretor da Faculdade de Economia PUC Campinas

adauto.ribeiro@puc-campinas.edu.br

 

 

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